“É preciso mudar a cultura do ICMBio e do pessoal Ministério do Meio ambiente para, além de ver a onça, enxergar as pessoas,” disse, acrescentando ser “inacreditável” a distância entre a cultura da conservação e a da inclusão social. As declarações foram feitas na abertura de um seminário internacional promovido pelo Ministério do Meio Ambiente, com apoio do IIEB, Embaixada Britânica e Fundo Vale, na última quarta-feira (19), no auditório do Incra, para troca de experiências sobre o Bolsa Verde, iniciativas semelhantes no Brasil (Bolsa Floresta do Amazonas) e em outros países.
Além da apresentação das avaliações da implementação do Bolsa Verde, em seus primeiros dois anos, o Seminário Internacional do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, reuniu acadêmicos, técnicos do governo, representantes da sociedade civil e especialistas.
Em dois anos, o Bolsa Verde beneficiou 53 mil famílias em situação de extrema pobreza (renda de até R$ 70 mensais por pessoa), já cadastradas no Bolsa Família. Cada família recebe R$ 300 trimestralmente por um período de dois anos, renovável por mais dois. E é concedido a comunidades de Unidades de Conservação de Uso Sustentável do ICMBio, Projetos de Assentamentos Florestal, de Desenvolvimento Sustentável e de Agroextrativistas do Incra e territórios ocupados por ribeirinhos sob gestão da Secretaria de Patrimônio da União. O BV deve incluir mais cinco mil famílias nos próximos meses, em função de mutirões realizados recentemente no Pará. O programa tem a meta de alcançar 73 mil famílias até o final de 2014.
Administrado pelo MDS dentro do Brasil sem Miséria, o Bolsa Verde envolve seis Ministérios e a Advocacia Geral da União. O governo evita associá-lo ao Pagamento de Serviços Ambientais (PSA) e o define como um programa de transferência de renda.
Outro lado do túnel
Segundo a ministra, uma das razões para realizar o seminário é a busca de um caminho de saída para as famílias contempladas, já que as primeiras famílias deixarão de receber o Bolsa Verde em outubro de 2014, quando acaba o primeiro ciclo de quatro anos.
Para a presidente do Conselho dos Assentados Agroextrativistas, que representa 12 ilhas em Abaetetuba, um município do nordeste do Pará, cuja população sobrevive da pesca, da extração do Açaí e de artesanato do Miriti (ou Buriti), este outro lado do túnel já existe e se traduz em capacitação e no uso das próprias comunidades para o monitoramento do programa: “O que fazemos no nosso município, nem o IBGE faz. Podemos fazer o diagnóstico, mostrar quem cumpre e quem não cumpre as obrigações, o que as pessoas acham do programa e se estão tendo acesso a outros programas, como Luz para Todos”, propõe Maria Antônia Rodrigues, que explica que apesar de viver cercada de água, esgotos não tratados e um abatedouro na região poluíram o rio e acabaram com a água potável, outra necessidade urgente das comunidades de Abaetetuba.
Capacitação
Um dos objetivos do Bolsa Verde é levar capacitação ambiental, técnica e profissional aos beneficiados e o IEB, com financiamento do governo britânico, realizou oficinas no Amazonas, Acre e Pará, que serviram para avaliar as demandas e desenhar um programa de formação para capacitar os beneficiários do Bolsa Verde. Uma capacitação teste foi realizada junto a lideranças comunitárias para testar a metodologia criada. A intenção é realizar oficinais para 10 mil beneficiários e gestores do Bolsa Verde.
O Coordenador-Regional do IEB em Belém, Manuel Amaral, apresentou os resultados do levantamento feito entre agosto e outubro de 2012, com os primeiros beneficiados e com os gestores locais do programa e levantou subsídios adicionais com organizações da sociedade civil em setembro de 2013, antes da capacitação teste. A proposta em discussão com o Ministério do Meio Ambiente, é capacitar 10 mil beneficiários com a metodologia desenvolvida.
“Chegamos à conclusão de que o programa precisa de uma maior institucionalização. Os beneficiários não conseguiam diferenciar o valor que recebem do Bolsa Verde do valor do Bolsa Família. Não conseguiam identificar o Bolsa Verde como um programa de conservação ambiental”, relatou Amaral. Uma pergunta que a gente ouvia muito era: “Como é um programa de conservação? Como a gente faz isto?”.
Para garantir que as obrigações que condicionam o recebimento do Bolsa Verde sejam cumpridas pelos beneficiários, Amaral acredita que a chave é o controle social. “O trabalho que a Maria Antônia vem fazendo em Abaetetuba é auto-gestionável. Não é caro, não é coisa de outro mundo e traz envolvimento, participação para a estratégia do programa. Isto faz com que o sujeito perceba que existe um compromisso de conservação. Portanto, não basta o MMA apenas reconhecer a existência de povos e populações tradicionais residentes em unidades de conservação. É preciso envolvê-los efetivamente na concepção e implementação de políticas públicas e a formação é fundamental para isso.”
Maria Antônia, que milita em movimentos sociais há 18 anos, ouviu falar do Bolsa Verde e reuniu um diagnóstico de 8.340 famílias em 2011. “Só 540 entraram no Bolsa Verde”. Fez outro, com detalhes sobre a vida das comunidades que vivem em 12 ilhas do rio Campopema, que chegavam à “quantas picadas de arraia ou de cobra cada um tinha levado”. Conseguiu que chegassem à ministra do Meio Ambiente. “Entraram mais 5.460”. Na reunião, ela lançou um desafio ao professor Rodrigo Medeiros, da Universidade Federal Rural do RJ, encarregado da criação de um modelo de avaliação do Bolsa Verde, que se dispõe a fazer entrevistas quantitativas e qualitativas do programa: “Sem nossa ajuda, vocês não vão conseguir. Vão chegar nas casas e as pessoas não vão querer responder ao questionário, achando que vão perder o benefício”. Foi convidada a participar.
A conclusão do IEB é que o êxito do programa deve estar relacionado à existência de um programa de gestão coletiva. Para Amaral “a concepção precisa ser aprofundada. A discussão do que vem sendo feito na América Latina pode ajudar a pensar como dar este salto”.
Entre as apresentações, estava a do CONSERBO, um programa criado pela província boliviana de Pando, que faz fronteira com o Acre, Rondônia e Madre de Dios, no Peru.
O governador boliviano, Luiz Adolfo Flores, veio a Brasília apresentar o projeto, que tem adesão voluntária e ajuda comunidades a criarem planos de manejo para conservação integral e de manejo florestal madeireiro e não madeireiro. A província produz 80% da castanha produzida na Bolívia e 20 mil famílias vivem da sua extração e beneficiamento. Este ano, por causa das cheias do rio Madre de Dios, a produção deve cair em 15%. O programa já atende sete comunidades, tornou-se nacional é o primeiro inscrito no Mecanismo Conjunto de Mitigação e Adaptação de Mudanças Climáticas da Bolívia. As comunidades recebem cerca de um dólar por hectare incluído no Plano de Manejo.
Também foram discutidos formas de remuneração e condicionalidades coletivas. Manoel Cunha, Diretor do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e morador da RESEX do Medio Juruá, explicou que em seu município – que fica a três horas de voo de Manaus, seguidas a 30 horas de barco – muitas famílias têm dificuldade para sacar o dinheiro. “Já conversamos sobre vincular o pagamento por produção sustentável, porque é difícil associar o dinheiro à conservação”, conta. Apesar de impedir a punição por não cumprimento de condições do programa, já que é impossível destruir ou retirar infraestrutura, o seringueiro defende que “a infraestrutura é muitas vezes mais importante, porque prepara as famílias para saírem do programa no futuro”.
Projetos de Pagamentos de Serviços Ambientais e Transferência de Renda foram analisados e comparados, assim como experiências de preço mínimo para produtos extrativistas. Algumas das recomendações incluíram:
· Envolver mais os residentes participantes do programa. Incluir o monitoramento local entre as obrigações;
· Evitar modelos com soluções de padrão único;
· Preferência por desembolsos em dinheiro perto de mercados e projetos em áreas remotas;
· Necessidade de análises de impacto de projetos, de preferência comparando um período anterior ao início do projeto com o de implementação;
· Necessidade de expansão do Bolsa Verde para o bioma Caatinga
· Ampliar as informações divulgadas sobre o Bolsa Verde, como resultados das razões de saída do projeto;
· Vantagens para programas que unem PSAs e transferência de renda;
Também foi aventada a possibilidade de expandir o Bolsa Verde para populações de baixa renda a partir de 2015, quando os primeiros beneficiados completam o primeiro ciclo de quatro anos e terão que deixar de receber o Bolsa Verde.
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